Santa Bernadette Soubirous: a vidente de Lourdes que se ofereceu como vítima expiatória
Santa Bernadette discernia com clareza a gravidade dos trágicos acontecimentos da época e, em consequência, se ofereceu como vítima expiatória, disposta a derramar todo o seu sangue pelo triunfo da Igreja.
Redação (16/04/2024 09:18, Gaudium Press) Muito se tem escrito ultimamente sobre as aparições e os videntes de Fátima. A respeito das de Lourdes, muito menos; sobretudo, comenta-se pouco ou quase nada sobre a vida da confidente de Nossa Senhora, Santa Bernadette Soubirous.
Apenas uma camponesinha iletrada?
O que se sabe dela? Um incontável número de católicos a consideram apenas como uma camponesinha iletrada, pura, singela, piedosa, muito amável com todo o mundo. Ora, os bons hagiógrafos nos mostram que ela foi muito mais do que isto!
Um deles foi Mons. René Laurentin, considerado um dos maiores teólogos marianos de nosso tempo, sua vasta obra inclui nada menos que cento e sessenta livros, além de incontáveis artigos de jornais e revistas. Pelo esforço dedicado ao estudo do tema, bem merece ele o título de o grande historiador das aparições de Lourdes, às quais dedicou treze de seus livros.
Mons. Laurentin nos apresenta Santa Bernadette como modelo de jovem católica e de esposa de Cristo. Pesquisador meticuloso e literato de bom quilate, relata em suas obras inúmeros episódios que patenteiam a facilidade com a qual a santa vidente perscrutava o recôndito das intenções de seus interlocutores.
Mostra também sua surpreendente capacidade de analisar com acerto os acontecimentos da conturbada época pela qual passava seu país, a terra de Santa Joana d’Arc, e realça, acima de tudo, como ela suportou com força de alma digna dos mártires do Coliseu todos os sofrimentos que aprouve à Providência enviar-lhe para o cumprimento de sua missão.
“Só temo os maus católicos…”
Em 1870 a França estava assolada pela tragédia da Guerra Franco-Prussiana, que culminou na derrota do exército francês em Sedan e consequente destituição do Imperador Napoleão III.
As tristes contingências da guerra não pouparam os lares e nem sequer os conventos de religiosas. A superiora do Mosteiro Saint-Gildard, em Nevers, teve de pôr suas freiras e o edifício à disposição das autoridades militares para a instalação de um ambulatório.
Nos pátios e corredores do convento, os coloridos uniformes dos soldados se entrecruzavam com os hábitos negros e brancos das monjas.
O oficial comandante posicionou uma bateria de canhões na varanda interna da casa e no jardim do noviciado, para defender a região norte da cidade.
No entardecer de 24 de outubro, verificou-se no céu um estranho fenômeno: dir-se-ia que todo o horizonte se transformara num mar de sangue.
Tratava-se de uma aurora boreal que durou das dezenove às vinte e uma horas. Como não podia deixar de ser, o espetáculo produziu profunda impressão em todos.
A Ir. Marie-Bernard – nome religioso de Santa Bernadette – fez este comentário de ressonâncias proféticas: “Apesar disto, não se converterão”.
Respondendo ao jornalista e escritor Gougenot des Mousseaux em meados de dezembro, quando as tropas prussianas estavam na iminência de invadir a cidade, revelou com toda simplicidade o fundo de suas preocupações:
“— Tiveste na gruta de Lourdes, ou depois, alguma revelação sobre o futuro e destino da França? Confiou-te a Santíssima Virgem alguma mensagem sobre alguma ameaça à França?
“— Não. “— Os prussianos já estão próximos. Isto não lhe causa um pouco de medo?
“— Não.
“— Nada temos, então, a temer?
“— Só temo os maus católicos.
“— Mais nada? “
“— Nada mais”.
Discernia a voz de Deus nos acontecimentos
Essa jovem freira tinha força de alma para manter-se sobranceira às tragédias da guerra, preocupada apenas com os interesses da Igreja: o perigo reside nos maus católicos!… Ou seja, nos católicos tíbios que, desmentindo com sua frouxidão a Fé por eles professada, instilam no rebanho de Cristo um ambiente de cegueira e ilusão otimista, que dificulta reconhecer a voz de Deus nos acontecimentos da História e prestar ouvidos às advertências da Mãe Celestial.
Com efeito, são católicos acovardados, incapazes de denunciar os pecados públicos e individuais que atraem tantas calamidades para povos e nações.
Poucos dias depois, as bombas começaram a cair em Nevers. Uma delas explodiu numa ala do convento. Sem perder a serenidade, a Ir. Marie-Bernard se encarregou de restituir a calma a uma noviça tomada de violenta crise de nervos por ver de repente em chamas sua sala de trabalho.
Terminada a guerra, desabou logo em seguida sobre a França outra calamidade, a Comuna de Paris (18 de março a 28 de maio de 1871).
Num dia da denominada Semana sangrenta, a Ir. Madeleine Bounaix, informada de que o Palácio das Tulherias tinha sido incendiado pelos revolucionários, correu a transmitir a notícia a Santa Bernadette, e testemunha que esta respondeu “com toda tranquilidade: ‘Não te preocupes. Ele precisava de uma bela limpeza. O bom Deus passa lá sua vassoura’”.
Que informações concretas poderia ter sobre a situação moral do Palácio das Tulherias essa religiosa ocupada em humildes afazeres num convento? Não se sabe.
Mas por ocasião das inundações que assolaram o sul da França em 1875, ela deu outra demonstração de como sabia avaliar os acontecimentos à luz da Fé: “O bom Deus nos castiga, mas sempre como Pai.
As ruas de Paris foram salpicadas pelo sangue de grande número de vítimas, mas isto não bastou para tocar os corações endurecidos no mal. Tornou-se necessário que também as ruas do Sul fossem lavadas, que elas também tivessem suas vítimas”.
“Sofrer: é este o meu ofício”
Todos os que com ela conviveram dão testemunho de seu terno amor, cheio de caridade e compaixão pelos enfermos que sofriam. Mas Bernadette almejava, acima de tudo, apresentar a Deus seus próprios sofrimentos como holocausto de suave odor para obter a conversão dos pecadores.
Sua vida era uma sequência de doenças quase ininterruptas. Um pequeno episódio deixa bem claro como ela tinha consciência de, por este meio, cumprir a missão recebida na gruta de Lourdes.
Certo dia, uma superiora do convento foi visitá-la na enfermaria e lhe perguntou sorrindo:
“— Então, que fazes aqui, pequena preguiçosa?
— Minha querida madre, exerço o meu ofício.
“— E qual é teu ofício?
“— O de ser doente – respondeu amavelmente a Santa”.
Em outra ocasião, confidenciou a uma irmã de hábito: “Sofrer: é este o meu ofício”.
Quando uma ou outra religiosa dava qualquer demonstração de ter pena dela, Bernadette se apressava em retificar: “É tão bom, tão suave e, sobretudo, tão salutar sofrer!”
Exemplo para os católicos do século XXI
Da morte, ela não tem medo, mas teme, isto sim, o contágio do erro nos filhos da Igreja. Ela reflete em seu olhar também uma piedade isenta de ingênuo sentimentalismo a respeito da natureza humana inclinada ao pecado e à revolta contra a lei moral.
Por esse motivo, e em seu zelo pela salvação das almas, não hesita em qualificar de “inimigos” os homens que se obstinam em difundir o erro e o mal. Mas, querendo salvar também estes infelizes, roga ao bom Deus que lhes envie… um misericordioso castigo que os mova à conversão.
Em sua alma nada havia de tolerância em favor do erro e do vício, pois estes não têm direitos. Os direitos, no seu sentido legítimo, são prerrogativa dos defensores da verdade, do bem e da beleza.
Belo exemplo para todos nós, católicos do século XXI. Um convite a vivermos e julgarmos nossa tão confusa e conturbada época como Bernadette Soubirous viveu e julgou os trágicos tempos nos quais ela travou nesta terra de exílio o duro combate para conquistar no Céu a “recompensa demasiadamente grande” (Gn 15, 1).
Texto extraído, com adaptações, da Revista Arautos do Evangelho n. 191, fevereiro 2017. Por Pe. Ramón Ángel Pereira Veiga, EP.